quinta-feira, 17 de setembro de 2009

VIDA RELIGIOSA INSERIDA NOS MEIOS POPULARES VISITA A DANDARA





No dia 12 de setembro, um grupo de 35 de Religiosas/os inseridas/os em meios populares (GRI) estivemos, na parte da manhã, reunido na Dandara. Foi um encontro que nos envolveu de corpo e alma, no qual pudemos apreciar as falas e partilhas do pessoal da Ocupação e isso nos encheu de coragem e animação, pois constatamos que tem muita gente comprometida com a mesma causa nossa: a de ver realizado o sonho coletivo de um outro mundo possível, no qual a justiça e a paz se dão as mãos! O pisar o chão da Dandara e encher de pó nossos pés, foi como entrar numa terra sagrada, terra que tem um povo com um projeto de vida libertador: terra, casa, dignidade para todos/as!
Este encontro foi também um momento de assumir o compromisso como GRI, desde o Comitê de Solidariedade Dom Luciano, que nos identifica, nos reúne e nos articula numa ação conjunta, no projeto "De mãos dadas com Dandara".
Saímos de Dandara com a esperança renovada e com o firme desejo de seguir nesta caminhada de partilha de nossos dons e bens, como companheiras/os de caminhada, avançando na concretização de ver "todo o povo nas ruas fazendo a história, ciranças sorrindo em toda a nação"!


Comentário das fotos:
2115: O mais bonito que aconteceu na visita do GRI à Dandara foram os encontros: pura alegria e celebração!
2159: De mãos dadas na mesma ciranda que anima a caminhada!
2112: GRI visitando o Acampamento - momento de confirmação de que vale a pena a luta!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

MOÇÃO DE REPÚDIO

A Frente de Resistência Urbana, por meio das organizações reunidas no Encontro Nacional realizado em São Paulo, entre os dias 05, 06 e 07 de setembro, manifesta seu repúdio diante da postura da Prefeitura de Belo Horizonte e do Conselho Municipal de Habitação desta cidade, quanto ao tratamento dado às ocupações ameaçadas de despejo forçado.

Recentemente, o Prefeito Márcio Lacerda (PSB) enviou à Câmara Municipal de Belo Horizonte Projeto de Lei que regulamenta o Programa Minha Casa, Minha Vida prevendo, em seu artigo 13, que “as famílias que invadirem áreas de propriedade pública ou privada a partir da data de publicação desta lei não serão contempladas pela mesma” (PL n° 728/09).

Essa norma vai na contramão da formação histórica das periferias urbanas e nos remonta aos tempos da ditadura militar, quando a luta pela garantia dos direitos fundamentais recebia como resposta a prescrição de severas sanções cíveis e penais, fruto do autoritarismo de Estado.

O referido artigo, além de claramente inconstitucional, fere a própria Lei Federal do Minha Casa, Minha Vida quando esta, apesar de seu atrelamento com os interesses do capital imobiliário, prevê que as famílias de baixa renda que moram em “assentamentos irregulares” terão prioridade para fins de contemplação (Lei n° 11.977/09, art. 3°, § 3°).

Nesse sentido, reiteramos nosso apóio às famílias belorizontinas ameaçadas de despejo forçado de modo a fortalecer a luta contra a intransigência e o extremismo da Prefeitura de Belo Horizonte.

FRENTE DE RESISTÊNCIA URBANA

Quilombo Urbano (MA) – Círculo Palmarino (PA) – MTST (PA) – MTST (RR) – MTST (AM) – Movimento de Famílias Sem Teto (PE) – Movimento dos Conselhos Populares (CE) – Brigadas Populares (MG) – Fórum de Moradia do Barreiro (MG) – Ocupação Zumbi dos Palmares (RJ) – MTST (RJ) – Ocupação Chiquinha Gonzaga (RJ) – Rede Contra a Violência (RJ) – MTST (SP) – MUST (SP) – MTL (SP) – Movimento Passe Livre (SP) – Associação de Familiares (BA) – MSTB (BA) – MTST (DF)

sábado, 5 de setembro de 2009

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DE BELO HORIZONTE

(Resposta à Prefeitura e ao Conselho Municipal de Habitação)


As Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro tornam pública sua resposta à nota de esclarecimento do Conselho Municipal de Habitação (CMH), datada do dia 23 de julho de 2009.

O Conselho Municipal de Habitação aprovou em sua reunião uma carta na qual tece um conjunto de considerações acerca das Ocupações Camilo Torres e Dandara. Um documento repleto de inconsistências em relação aos propósitos das ocupações e às organizações envolvidas. Por meio da presente resposta, buscaremos avançar no debate e esclarecer as questões controversas para que a verdade seja conhecida por todos e para que as possibilidades de solução do drama das famílias sem-teto deste município seja construída de forma pacífica e dentro de um ambiente de diálogo maduro, edificado sobre o respeito mútuo.

As ocupações Camilo Torres e Dandara foram construídas como forma de luta pela efetivação de um direito constitucional básico, a moradia digna (art. 6º, CR/88). Contudo, esse direito vem sendo violado em decorrência da enorme pressão que os especuladores imobiliários exercem no cenário político da capital mineira. Associado a esse fato, a ausência de diálogo por parte da Prefeitura de Belo Horizonte amplia as dificuldades de construção de alternativas para minimizar o déficit habitacional que hoje supera a marca de 173 mil unidades apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ora, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro possuem como princípio a busca do diálogo com as autoridades públicas que estão imbuídas de responsabilidades sobre a política de habitação. Foi assim em todas as ações organizadas pelos movimentos e continuará sendo no futuro, pois acreditamos que o entendimento é a saída desejável de qualquer conflito de interesses. Porém, a Prefeitura recusa o diálogo, recusa receber as lideranças das ocupações, recusa procurar um entendimento. No lugar do diálogo, oferece apenas uma única alternativa, a sua própria, esquecendo o princípio básico de qualquer diálogo: a possibilidade de entendimento a partir da formulação de uma proposta comum e consensual.

Recusamos-nos a aceitar o fundamentalismo da Prefeitura de Belo Horizonte, que continua a repetir o discurso desgastado da sua política habitacional que, conforme os dados da própria Secretaria Adjunta de Habitação, acumula a demanda de 13 mil famílias trabalhadoras cadastradas em uma fila interminável e silenciosa. Como se não bastasse sua postura intransigente, a Prefeitura procura dissimular a realidade e convencer os coordenadores de núcleos de sem-casa participantes do Conselho Municipal de Habitação a respaldar suas posições, como ficou claro na nota divulgada. Reiteramos nosso respeito aos coordenadores de núcleos de sem-casa que, em sua maioria, trabalham incansavelmente em prol da dignidade das famílias que representam.

Respeitamos os movimentos que ainda acreditam na política habitacional conduzida pela Prefeitura, movimentos estes que contribuíram em sua estruturação e que procuram efetivá-la à sua maneira. Porém, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro possuem um outro entendimento. Não percebemos na política habitacional estabelecida condições objetivas de resolução da questão habitacional em nosso município: o orçamento é irrisório em relação à dimensão do déficit e, ao mesmo tempo, não se pode realizar uma política distributiva (no caso a democratização do acesso ao teto) sem confrontar os interesses da especulação imobiliária, que hoje acumula cerca de 85 mil imóveis que não cumprem a função social. Acreditamos que a efetivação do Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/01) representaria um grande avanço no processo de democratização do acesso das famílias sem-teto à uma moradia digna e a garantia do direito à cidade. É necessário que instrumentos como o IPTU progressivo, as ZEIS, as desapropriações, entre outros, sejam implementados para que a propriedade fundiária urbana seja desconcentrada, do contrário conviveremos com o discurso falacioso de que não existem terrenos para a construção de moradias em Belo Horizonte.

Nesse cenário, as ocupações Camilo Torres e Dandara, e várias outras formadas espontanemente por toda a cidade, são exemplos claros de que realmente existem terrenos abandonados, que não pagam seus impostos, que não cumprem a sua função social. Por que então não desapropriar? A desapropriação é um ato legal, é um ato de soberania da administração pública. Por que não utilizar do instrumento da desapropriação para garantir a dignidade de milhares de famílias que necessitam de um teto, da mesma forma que tem sido feito para a realização de grandes obras viárias? Esta é a resposta que queremos ouvir da Administração Municipal. Não cabe argumentar que já existe uma política habitacional e que a mesma irá solucionar o problema, posto não ser verdade. Caso a atual política fosse capaz de realizar tal feito, o aumento da demanda estaria contido, mas já se passou mais de uma década e o déficit continua crescendo. O número de famílias com renda mensal de zero a três salários mínimos cadastradas pela Prefeitura no programa Minha Casa, Minha Vida (183 mil), reflete esse quadro alarmante.

O Prefeito de Belo Horizonte deve ter a capacidade de dialogar com movimentos e instituições que não possuem a mesma perspectiva política; a diversidade de idéias é um dos pilares de uma sociedade democrática, portanto o diálogo é fundamental. Assim, passamos a esclarecer os pontos levantados pelo Conselho Municipal de Habitação (CMH).

1- O CMH questiona: “Por acaso seriam tais famílias (acampadas) mais necessitadas do que milhares de outras que esperam pacientemente serem atendidas?”. A resposta é simples: NÃO. Todos as famílias possuem a necessidade de moradia. A única diferença entre as famílias que esperam e as famílias que vivem em ocupações organizadas é a disposição de luta por um direito que deveria ser universalizado. As famílias que estão acampadas cansaram de esperar, ou mesmo não acreditam que devam esperar por um direito que possuem, acreditam que devem ir à luta, legitimamente. Essa questão levantada na nota do CMH é, sem dúvida, uma tentativa de criar uma falsa polêmica entre as famílias que esperam na fila e as famílias que ocuparam áreas ociosas. Tal oposição não existe, porém a Prefeitura tenta jogar pobre contra pobre, tenta criar um conflito, onde deveria e com certeza nascerá à solidariedade.

2- O CMH afirma que negociar com as ocupações significar romper com um pacto entre movimentos e Prefeitura. Devemos esclarecer que uma parcela cada vez maior dos movimentos de sem-casa já não aceita mais a Política Habitacional vigente, isso significa que o momento clama por mudança. Uma nova Política Habitacional deve estar edificada sobre os princípios constitucionais da função social da propriedade e do Estatuto das Cidades. Isso atribuiria uma qualidade nova à luta por moradia, ampliando sua capacidade de atendimento às necessidades da população sem-teto. Portanto, o adjetivo “fura-fila” é ingênuo e desnecessário, o que está em jogo é um novo entendimento sobre o acesso ao espaço urbano, o que está em jogo são as possibilidades constitucionais de acesso à moradia e à cidade, o que está em jogo é a dignidade das dezenas de milhares de famílias sem-teto de Belo Horizonte. A Política Habitacional estabelecida esta atrofiada, não atende a realidade, nesse sentido o diálogo é fundamental para criar soluções que contemplem as posições das partes. A falta de negociação acirra o conflito sem dar respostas para o prolema.

3- A nota do CMH afirma que as famílias estão sendo manipuladas. Nada mais falso, as famílias acampadas participam ativamente do processo de decisão e assume politicamente cada ato realizado pelos movimentos, pois fazem parte dos mesmos. As assembléias semanais são nossos espaços de tomada de decisão, portanto cada acampado possui responsabilidade sobre o destino da ocupação, isso é democracia de fato. Convidamos a todos a participarem de uma das assembléias realizadas nas ocupações e verão do que estamos falando. O que a Prefeitura não percebe é que existem outras formas de organização popular fora dos modelos burocráticos estabelecidos pela administração municipal, esses sim realmente manipuladores. Cresce em Belo Horizonte a autonomia dos movimentos em relação à Prefeitura, é isso que assusta, é isso que é difícil de ser aceito pelos porta-vozes da atual política urbana.

4- O referido documento faz menção às precárias condições de vida nos acampamentos, isso é verdade, viver em uma barraca de lona não é fácil. Como também não é fácil aguardar até oito anos na tão defendida fila da casa própria organizada pela Prefeitura, pagando aluguel com seus parcos recursos. Portanto, a vida precária da ocupação é o sacrifício a ser feito para conquistar a moradia digna, sem se submeter aos longos anos de espera, sem nenhuma resposta concreta por parte da administração pública. A preocupação sobre o estado de saúde das famílias acampadas demonstrada na nota do CMH não é a mesma demonstrada pela Prefeitura. Ora, até o momento as ocupações não receberam a visita de nenhuma equipe de saúde, nenhum agente público responsável por zelar pela saúde da população. Em suma, a Prefeitura contribui com o cerco feito contra as ocupações, negando acesso à saude, educação e assistência às famílias.

5- Nenhum movimento mobiliza famílias por pura provocação à Administração Municipal, as famílias são mobilizadas por suas necessidades. Quanto às promessas de campanhas do Prefeito Márcio Lacerda, que de alguma maneira podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, somos solidários. Entretanto, cabe aos movimentos sociais lutarem para que as políticas públicas não sejam limitadas à vontade do Senhor Prefeito. Autonomia em relação aos governos é o que se espera de tais movimentos e das entidades da sociedade civil para que se possa exigir que os direitos da população sejam efetivados. Portanto, não nos limitaremos a esperar indefinidamente o cumprimento das promessas eleitorais, não lutaremos por meras concessões dos governos, pois essas não dependem apenas da boa vontade do Executivo. Em verdade, lutamos pela efetivação de um direito constitucionalmente garantido. Não discutimos o caráter do Senhor Prefeito, ou a sensibilidade dos seus assessores, não é disso que se trata. Trata-se de um direito que a população sem-teto possui e que deverá ser operacionalizado pelo poder público, não sem pressão popular.

6- O CMH provoca: “Desafiamos os líderes de tais ocupações para divulgar o cadastro de quantas e quem são estas famílias, em que bairro e município moravam. Se realmente são de baixa renda, se moravam de favor ou em área de risco de deslizamento ou inundação”. Não temos cadastros secretos, inclusive estão disponíveis nos processos de reintegração de posse que tramitam no TJMG. Uma parcela significativa das famílias já participaram, ou ainda participam dos núcleos de moradia, portanto se enquadram nos critérios da Prefeitura, o problema não é esse, não são os critérios, mas a ausência do direito à moradia como estabelece a Constituição da República. Não criamos nenhuma dificuldade em relação à divulgação dos dados das famílias. Aceitamos o desafio proposto pelo CMH, e aproveitamos a oportunidade para desafiar o mesmo CMH a solicitar ao Prefeito de Belo Horizonte que aceite o diálogo com as Brigadas Populares e com o Fórum de Moradia do Barreiro. Será que terá capacidade de aceitar nosso desafio?

7- O CMH afirma: “O Conselho repudia as maldosas insinuações sobre a qualidade das moradias e de obras habitacionais. Estas críticas destrutivas são próprias de quem está fora do movimento.” Os números utilizados em nossos documentos são divulgados pela própria Prefeitura, bem como os dados sobre o déficit habitacional, etc. Portanto, não existem insinuações, são dados objetivos. As críticas realizadas pelas Brigadas Populares e pelo Fórum de Moradia do Barreiro são próprias de quem está em movimento, de que está organizado em um movimento independente em relação à Prefeitura e que, por essa razão, pode criticar o que deve ser criticado, pois não possuem nenhuma vinculação política ou fisiológica com a Administração Municipal.

8- Sobre o Programa Vila Viva não há manobra retórica capaz de esconder a realidade deste programa. A audiência pública realizada na Assembléia Legislativa no último dia 19 de maio, confirma nossa posição, uma parcela considerável da população das vilas está descontente com o programa. Desta forma, o consenso em torno desse projeto é falso. São as lideranças comunitárias que não caíram no jogo de ilusões da Prefeitura, pois perceberam que grande parte das famílias moradoras dos aglomerados não terão condições econômicas de viver nos apartamentos oferecidos e logo mudarão para periferias mais distantes. Perceberam a atuação severa da especulação imobiliária nas vilas afetadas, a quebra dos laços de solidariedade e os abusos cometidos pelos agentes da administração pública. Portanto, é falacioso o discurso de que o Vila Viva é um projeto sustentável no tempo, que combate o deficit habitacional e que a melhoria da qualidade de vida da população favelada é o mote do programa.

Não precisa ser economista para saber que a real natureza da luta por moradia é a sua função na recomposição salarial, uma vez que a família sem-casa não possui renda suficiente para adquirir sua habitação no mercado, e por isso solicita a intervenção do Estado. Diante da omissão do mesmo, as favelas são uma forma precária que as famílias trabalhadoras possuem para habitarem locais mais próximos dos serviços públicos e do trabalho, com isso conseguem diminuir seu custo de vida. Porém, não é possível remanejar milhares de famílias sem levar em consideração as condições de trabalho destas, a urbanização deve ser acompanhada de um amplo programa de Pleno Emprego para as comunidades atingidas pelas obras. Parece que o CMH não entendeu que as favelas não são apenas um monte de casas aglomeradas, elas não são um problema por si só, elas são o resultado de um mal maior, ou seja, o baixo salário oferecido aos trabalhadores e, ao mesmo tempo, são a solução encontrada pelos mesmos para continuar sobrevivendo na cidade. Portanto, não é possível acabar com o problema sem atacá-lo em suas raízes.

9- Esclarecemos que a moradia para a população de baixa renda é dever do Estado, por ser direito fundamental. Assim, não cabe aos apoiadores das Brigadas Populares e do Fórum de Moradia do Barreiro aportarem recursos para a construção de casas nas ocupações, não que os mesmos não desejem, mas por que o volume de recursos necessários ultrapassam suas possibilidades. Quanto à oferta de capacitação para os mesmos, agradecemos a generosidade, porém esclarecemos que temos entre militantes dos movimentos e apoiadores, engenheiros, arquitetos, geógrafos, educadores, advogados, etc que voluntariamente vem construindo uma proposta urbanista para as ocupações, respeitando as áreas de preservação ambiental e o Plano Diretor do Município.

10. Esclarecemos, ainda, que temos uma forma de luta diferente das lideranças que compõem o Conselho Municipal de Habitação. Felizmente, nossos métodos de trabalho a cada dia conquistam mais apoio entre as famílias participantes dos núcleos de sem–casa, a cada dia ganham apoio de instituições da sociedade civil, religiosos, lideranças comunitárias, estudantes, professores, movimentos sociais urbanos e rurais, artistas e intelectuais. A legitimidade das ocupações salta aos olhos diante do respaldo alcançado junto aos mais diversos setores da sociedade, sobretudo por que nosso horizonte não se reduz à conquista da casa, mas à construção de uma cidade mais justa e igualitária. Portanto, o que está ultrapassado é a lógica comodista de pensar que não há como mudar as coisas, que a política da Prefeitura é a única possibilidade. Isso sim é um retrocesso. Cria uma lógica de covardia entre as famílias sem-teto, educa as lideranças jovens a sempre abaixar a cabeça e aceitar o discurso oficial do município.

As Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro são conscientes que sua forma de atuação não agrada a todos. Dessa acusação somos realmente culpados, e não nos arrependemos, pelo contrário, nos orgulhamos que nossa luta desagrade à especulação imobiliária desta cidade, ou que crie constrangimentos para algumas “lideranças” comunitárias (uma minoria na verdade) que não passam de cabos eleitorais, de pessoas que sobrevivem da miséria das famílias sem-casa, que realizam acordos que apenas os beneficiam. Nos orgulhamos de desagradar aqueles que estão contra a organização autônoma dos trabalhadores.

Acreditamos que a função do Conselho Municipal de Habitação é muito maior do que defender as posições da Prefeitura, seria uma traição às famílias sem-teto que os seus representantes se deixassem domesticar pelo governo municipal. O Conselho deveria estar preocupado em promover a solidariedade a todas as formas de luta pela reforma urbana e não em atacar os demais movimentos, as ocupações, o povo organizado em marcha por uma vida melhor.

Não será a repressão policial, o ataque, a falta de diálogo, as acusações que resolverão o déficit habitacional na cidade. Acreditamos que é o somatório de várias formas de luta, organizando o povo, aguçando sua consciência, dando voz aos silenciados. Em respeito às 1086 famílias da Ocupação Dandara, em respeito às 140 famílias da Ocupação Camilo Torres, em respeito às 346 famílias da Ocupação Novo Lajedo (agora em processo de regularização fundiária), em respeito às 173 mil famílias sem-teto da Região Metropolitana de Belo Horizonte, as Brigadas Populares e o Fórum de Moradia do Barreiro assumem a responsabilidade de lutar na medida de suas capacidades para construção de uma cidade onde caibam todos e todas. Convidamos as lideranças comunitárias honestas, que hoje participam do Conselho Municipal de Habitação a se somarem nessa luta.

LUTAR POR UMA VIDA DIGNA NÃO É CRIME!

Respeitosamente,

BRIGADAS POPULARES – FÓRUM DE MORADIA DO BARREIRO
Belo Horizonte, agosto de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A páscoa subversiva de Dandara -balanço aos 4 meses

ALEXANDRE CHUMBINHO - originalmente no jornal sem terra


NO DIA 9 DE ABRIL, quinta-feira de páscoa, o MST de Minas Gerais dava um passo em direção à cidade, mas desta vez não entrávamos no meio urbano em marcha, ou convidados para algum evento. A bandeira fincada no terreno de 40 hectares em plena região metropolitana de Belo Horizonte simbolizava a largada de uma estratégia nova para alavancar a luta de massas e Reforma Agrária no estado. Eram 150 famílias que saíam do trabalho de base na periferia de BH feito pelo MST e pelas Brigadas Populares (BP’s), uma organização parceira cuja pauta principal é a moradia.

O terreno escolhido estava abandonado havia mais de 40 anos no bairro Céu Azul, na zona norte da capital. Rapidamente, em menos de três dias, se juntavam outras mil famílias, na ocupação batizada de Dandara. Ao cabo de duas semanas estavam erguidos 1087 barracos de lona preta, tal qual fazemos no campo, e uma lista de espera de 500, pois já não havia mais espaço na área delimitada pela Polícia Militar. A capacidade e rapidez da massificação – e também da desmassificação – iriam se mostrar como uma das características próprias do meio urbano que fazem parte do aprendizado nesta empreitada.

Acumulando e aprendendo

Aprendizado, aliás, é uma palavra chave desta iniciativa, que tem por detrás toda uma estratégia de aproximação das periferias do campo e da cidade. Há tempos, falamos da necessidade de construirmos parcerias com a cidade para a construção do projeto popular, e temos conseguido em alguma medida fazer alianças e construir espaços unitários com várias forças. Mas a experiência de uma luta concreta e prolongada com os sujeitos ali presentes está sendo capaz de abrir novas perspectivas para entender a própria dinâmica da periferia, as limitações e potencialidades presentes nos processos de construção com os urbanos. E isto parece ganhar contornos de maior importância à medida em que vemos a Reforma Agrária sair da pauta do governo e da sociedade. Desde as primeiras conversas junto com as BP’s, há cerca de um ano e meio, o MST teve bem claro este objetivo de acumular. E para isso resolvemos encarar todos os desafios que surgissem, como a diferença de perfil da base, a dinâmica da ocupação e da organicidade interna, a relação com o entorno e com novos e antigos parceiros. São muitas as novidades e diversidade da dinâmica urbana para a rural. Encontrar um fio condutor que reúna elementos dos dois – o “rururbano” – é desafiador.

Tem havido muita solidariedade e apoio político da sociedade civil, com mais de 70 entidades envolvidas. Alguns fatores colaboram para isso, como a proximidade com os centros de decisão das organizações (articulações, movimentos, sindicatos, partidos) que geralmente se encontram nas capitais. Principalmente a igreja tem se dedicado bastante, através de diversos organismos. Outro fator importante é que a Dandara faz BH reviver as grandes lutas sociais por moradia da década de 80, de forma massiva e organizada. A massividade é uma característica que deve ser estudada, isso tem a ver com o contexto de crise econômica, de ausência de políticas de habitação e com o histórico de luta por moradia da periferia da região.

Rururbano e Reforma Agrária

A bem da verdade, a maioria dos acampados, pelo fato de se tratar de uma ocupação urbana, são movidos por um sonho de moradia e de renda, distanciando-se do perfil dos nossos acampados rurais. Com isto, investir na estratégia do rururbano pode ser visto como abandonar a Reforma Agrária. Mas não é simples assim. A presença massiva e organizada do MST nos grandes centros tem muito mais a oferecer. É possível, inclusive, potencializar a Reforma Agrária, além de fortalecer a luta de massas nas capitais.

Um ou mais assentamentos rururbanos poderiam servir como grande entreposto da Reforma Agrária, centralizando a fase de beneficiamento e agroindustrialização de produtos brutos enviados pelas áreas no interior, e estabelecendo uma relação direta com o mercado consumidor na capital. Além de diminuir os custos do processo de instalação de várias plantas de beneficiamento, existe a proximidade com escolas, obras sociais, cozinhas comunitárias e restaurantes populares, com os quais se manteria o fornecimento dos produtos.

Além disso, uma área nossa dentro de uma região metropolitana pode funcionar como centro de referência para a luta pela terra, recebendo as famílias para as quais nenhuma outra saída resta
senão a de lutar pelos seus direitos. Muitas das pessoas que procuraram a Dandara desde seu início deixaram clara a intenção de ir para a terra, ou se colocavam à disposição para fazer novas ocupações, urbanas ou rurais. Nestes meses não parou de vir gente de longe quererendo saber como faz para entrar na luta. E isso não surpreende, pois sabemos que boa parte da periferia urbana
é formada pelos filhos do êxodo rural das décadas passadas, e ainda resta o sonho de um dia retornar para uma melhor qualidade de vida.

Por fim, o pouco terreno disponível no meio urbano ainda assim pode ser aproveitado para a produção em atividades agrícolas e não-agrícolas, em regime de cooperação e associação. Quadras coletivas podem ser utilizadas para atividades como produção de plantas medicinais e ornamentais, cuja rentabilidade por área é muito alta.

A Dandara hoje

Mas nem tudo são flores. As dificuldades encontradas começam na diferença do perfil do camponês para o urbano, com o agravante de que o acampamento não evita a continuidade das relações desumanizadoras anteriormente estabelecidas, pois está cravado no bairro de origem de boa parte das famílias. Isso dificulta o trabalho de formação política. Também há que se lidar com os institutos de poder local, como o tráfico, que funciona como um Estado paralelo. E por fim, a presença constante da polícia, que não arredou pé da nossa porta um só dia. A luta no meio urbano potencializa a solidariedade, mas também a repressão.

Passados mais de três meses, a situação hoje no acampamento é mais tranqüila. Na parte jurídica, o jogo já virou quatro vezes em medidas liminares, e a tendência agora é de estabilizar até o julgamento de mérito. O número de famílias oscilou bastante, principalmente quando havia liminar de despejo, mas após a última vitória no Judiciário, no início de maio, estabilizou em cerca de mil. Os núcleos de base e setores estão funcionando a pleno vapor. O grande desafio continua sendo abrir diálogo com o Poder Executivo, que tem sido intransigente. No dia 12 de julho, as famílias deram mais um passo rumo à conquista definitiva de Dandara, e começaram a substituir a lona por tijolos e cimento, ocupando todo o terreno e fincando fortemente no chão a concretude de suas necessidades e o peso de seus sonhos.